BRAYTE, ONDE ANDA VOCÊ?

Eu tinha uma chácara na beira da cidade e observava então que o caseiro da ocasião maltratava, espancava e insultava  a pequena cadela que ele  tinha por lá.  Um dia tomei as dores da cadelinha, fizemos um negócio e fiquei com ela para mim. E pus-lhe o nome de BRAYTE. Ainda assim não lhe despertava maiores cuidados ou atenção. Todavia, não descuidava nem do seu leite, nem do seu banho,  nem da sua ração. E assim tocávamos a vida.  Passado pouco tempo, um novo caseiro passou a cuidar da estação. E lá vamos nós, tocando a vida naquela chácara em que aprendi muito com os animais.

O PERU era o meu grande amigo. Quando eu chegava à porteira, a uma distância de uns setenta metros, ele já cantava o seu glu-glu-glu e fazia a maior festa! Eu sentia que ele me recebia com alegria e então eu lhe entregava nas mãos aquela refeição.  E as formigas de fogo? Essas eram guerreiras e unidas. De tão unidas que morriam juntas, empilhadas, umas às outras. Elas se entocavam na sua casa no subterrâneo, mas na portaria uma guarita. Vigilantes ficavam dando volta ao redor, em vigília. E iam pra cima fosse de quem fosse. Era só uma pequena companhia, mas à qualquer intruso  ou incômodo, vinha um batalhão, vinha meio mundo delas, prontas para a guerra! E ali sim, um sentimento e espírito de  segurança, de defesa, de guerra e de  corporação. Eu vivia observando e guerreando com as formigas. E aprendi muito com elas. 

As saúvas eram famintas e previdentes. Viviam carregando seus alimentos que também serviam às suas tocas entocadas. Espertas, saíam à noite para trabalhar que era cortar as plantas e carregar pequenos recortes de folhas verdes. E, durante o dia, fugindo ao risco, entocavam-se. Mas não tinham jeito, afinal o bicho homem é o mais animal entre os animais. E então punham-se à beira do seu caminho, iscas que elas carregavam. Era o veneno. Era a morte inevitável!

E os pintos? Esses eram uma espécie de moleques de rua, malfeitores, “trombadinhas”. Viviam desobedecendo, vazavam na cerca e iam perturbar lá fora. Sujavam o terraço. “Bagunçavam o coreto”. Por conta disso, sofriam reprimendas, apanhavam, eram jogados de volta quais os malfeitores no camburão. Uns tantos obedeciam e respeitavam. Santo remédio! Enquanto  isso, para outros, não tinha cerca nem castigo, nem “FUNAQUE” que desse jeito.  Cresciam, viravam adulto e continuavam transgressores, malfeitores. Só a morte lhes dava jeito. A vida entre os humanos é mesmo assim. É desse jeito. 

E os guinés? As galinhas de  guiné?  Ariscos, briguentos, “folgados” e encrenqueiros. Formavam uma facção e não tinham acordo com ninguém. Viviam como os demais confinados em grade, numa área de cento e vinte metros quadrados. Na hora das refeições, expulsavam os demais. É como se a comida fosse só para a facção. Só não mexiam com o peru. E os patos? Os patos formavam uma casta, uma família. Eram diferenciados. Davam uma ideia de certa “independência”, até porque viviam tomando banho de “piscina” na maior parte do tempo. E quando saíam de dentro da piscina, postavam-se ladeados entre si e indiferentes aos demais. Era como se vivessem no independente Estado do Vaticano, na Itália.

Tinha um galo valente, casca grossa, briguento que tinha uma galinha de pequena estatura, como sua amante. Um dia, reincidente, ele aplicou uma tesoura ao peito da nossa colega de trabalho. Então, como punição,  engatei-lhe uma algema aos pés, para não repetir a bravata.  

A galinha fiel e servil não desgrudava do seu macho. Lembrei-me então que, faz anos, conheci semelhante situação por aqui. Aquele homenzarrão matou um homem e foi para a cadeia. Sua mulher pequena, vivia grande parte do seu tempo à beira do xadrez, ora levando-lhe uma banana,  um pão, ou uma laranja. Ele preso e ela do lado de fora mas não se desgrudava do seu homem. Era visível a submissão daquela mulher. Assim era aquela galinha, pequena.  Fruto dessas observações escrevi um tema: “ASSIM COMO SÃO AS PESSOAS, SÃO AS CRIATURAS”.

E os gatos? Também já renderam temas que os publiquei por aqui. Certo dia vivi uma situação: A gata veio, miou, miou e foi voltando. Olhou para trás e viu  que eu não me movi, então voltou novamente. Miou, miou e foi voltando. Olhou que eu não me movi, tornou a voltar. E só na terceira vez eu compreendi que ela queria que eu a seguisse; que ela queria alguma coisa me mostrar. Então resolvi segui-la. Lá diante, no quarto, ela deu um salto e ficou quieta dentro de uma caixa. E só então entendi que ela queria me mostrar onde minutos depois ela veio a parir. Dos incômodos gatos, lembro de  trotes deliciosos que lhes apliquei.

Voltemos à cachorrinha.   Era uma tarde e eu conversava com o caseiro e aquela cachorrinha pôs-se à  minha frente grunhindo,  querendo me dizer alguma coisa; querendo falar. Só  que eu não observava a situação, não lhe dispensava a atenção. Foi quando o caseiro me chamou a atenção: “Você não está vendo que essa cachorra está querendo falar com você”? Foi quando observei aquela frágil criatura! E então bati os dedos em sinal de atenção e chamada. Ela deu um salto e agasalhou-se carinhosa, amável ao meu colo. E me cheirava, e  me sujava! E àquele carinho eu correspondia e aceitava. Pronto,  a nossa amizade selada estava!

Dali em diante a vida no sitio nunca mais foi a mesma. BRAYTE era a governanta, dava as ordens e mandava em tudo. Era a minha fiel companheira. A menina dos olhos! E eu  lhe dedicava carinho e atenção, nos seus lanches e nas suas refeições. Onde eu estava ela  por perto também estava, ficava quieta, atenta e não me largava. Tantas vezes eu vi, quando uma caçada ela simulava, corria e jogava-se em cima de nada;  brigava sozinha, lutava, era uma guerreira mas alguém faltava  para lhe treinar, lhe adestrar, lhe ensinar. E assim tocávamos a vida - felizes, na boa e  na dividida!

Um dia, porém, BRAYTE desapareceu. A sua falta, a sua ausência me doeu. E saí atrás dela, quer dizer à procura dela, mas em nada deu. Certo dia alguém uma pista me deu. E então ao silêncio da noite naquela rua escura e deserta pelo seu nome eu gritei ao imaginar que se me ouvisse ela me responderia e diria: “aqui estou eu”. Mas foi em vão. E amarguei aquela dor, aquela angústia atravessada na garganta, que doeu no coração.

E imaginei uma BRAYTE, enganada, amarrada, infeliz e injuriada. OU quem sabe, na sua vida de vira-lata, entregue a uma pândega sem freios, na libertinagem dos seus devaneios. E tantas vezes eu me perguntei: BRAYTE ONDE ANDA VOCÊ??? E então plagiei a Castro Alves em Vozes D’África: Onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes/ Há dois mil anos te mandei meu grito/ Que embalde desde então corre o infinito... E BRAYTE, enfim nunca me apareceu! Mas um dia, ruminando a minha dor eu me perguntei: “Terá sido eu que não ouvi o seu grito”?