CARTA PARA A MINHA MÃE, NA ETERNIDADE

Mãe  peço a sua bênção. E, como a senhora mesmo dizia: “um beijo no seu coração”.      
 
Longe, muito longe vai aquele tempo, mãe, e eu aos sete anos, quando numa madrugada fria  montava à garupa do cavalo de meu pai e saía com destino à escolaridade na VILA. Saí de coração apertado, choro abafado e deixei a senhora chorando pelos cantos. Tão longe  eu  de saber, Mãe, que dali em diante, só voltaria em casa como “visita”, nas férias escolares. E dali em diante, tantos anos e mais anos, nas férias escolares eu era um espécie de “visita ilustre”, tão na roça e no serviço brabo como todos os demais. Concluído o curso primário, fui morar na CIDADE, também na peleja pela escolaridade. E como sempre, ficava a senhora chorando pelos cantos. E o meu pai, como sempre, mandava em tudo. Determinava  em tudo.

Certo dia, na CIDADE, o meu pai me pegou peço braço e...  “vamos ali”. E me matriculou num CURSO DE DATILOGRAFIA, que era a escrita, na MÁQUINA DE ESCREVER. Gostei da “brincadeira” e logo-logo eu lhe fazia, tímido a primeira carta à máquina de escrever. Mas o curso terminou e eu fiquei sem máquina, para fazer carta. Na época aprendi e usava uma frase que dizia: “ser mãe é desfiar fibra por fibra”. Eu me lembro bem. Certo dia, quando eu estudava naquela montanha azul  da bênção e da formação, que se chamava COLÉGIO LICEU, fui à Secretaria e pedi a chefe para fazer uma cata para minha mãe. Ela me olhou como quem diz: “só faltava essa”. Mas como tinha o  nome de MÃE, na frente, ela cedeu. Peguei a máquina e fiz tudo direitinho: tá-tá-tá-tá-tá-tá tá-tá-tá-tá. Depois, peguei a carta e dei para ela ler. Ela dispensou. Mas aí eu insisti: “a senhora me dará a honra da leitura”. Ela leu de ponta a ponta e vi que os seus olhos brilharam. E então lhe mandei a carta. Fiquei agradecido e nunca mais voltei àquela Secretaria.

Nesse embalo, uma noite lá pela Escola Técnica, apliquei a mesma chave e pedi a máquina para fazer uma carta para minha mãe. Deu certo. Era eu mãe, exercitando na máquina de escrever e lhe fazendo carta, longe de imaginar que ali  a máquina de escrever me escancararia portas e janelas e  se fazia, em mim,  o início de uma profissão – primeiro emprego, segundo emprego e de um meio que vida – que é como digo na minha tarefa de advogado – FAZER CARTAS. Sim mãe, porque uma defesa, um recurso, alegações,  uma petição,  são uma CARTA.

Mais tarde quando vim me abarracar aqui nas barrancas do Tocantins, também lhe mandava cartas. Aí  vieram para ficar comigo os irmãos Zé branco, O Egídio, a Goretti e o Tony. Depois veio a tribo toda: Papai, a Senhora e mais quatro irmãos. Tantas vezes, mãe, eu chegava em casa e logo ia perguntando pela senhora. E outras tantas vezes eu me sentava com a senhora àquela mesa, na grande  cozinha e a gente se punha a lembrar de tantas coisas, tantas coisa da nossa vida. E, como sempre a senhora ia ficando calada e logo lhe caíam lágrimas de emoção. E eu dizia; “Não chora mãe”, “não chora mãe”. A senhora se recompunha e dizia: “Eu choro mas é de alegria”. Outra coisa, mãe: “Amanhã, 2ª feira, faz 46 anos que cheguei por aqui”. Também lhe mandei uma carta logo que eu cheguei. Foi difícil, mãe! Mas, foi como disse o padre: “EU VENCI”.

Mãe, eu me lembro de muitas passagens com a senhora: Me lembro da comidinha que a senhora, sempre me levava, no escritório, ao lado da sua casa,  lá pelas onze horas. Me lembro que a senhora chamava a Nilse de “Branca”. Me lembro da amizade de vocês duas, andando pelas ruas, comprando seus tecidos, suas coisas. Outra coisa que me marcou, mãe: é que, num presente de um filho entre um grampo de cabelo de um broche de ouro, tudo para a senhora era uma fortuna. E a Luíza, mãe? Sua vizinha e amiga? Até hoje eu converso com ela e lembramos de você. Os vizinhos, seus amigos e amigas, até hoje lembram de você. Mãe eu tenho plena convicção de que a senhora  está EM PAZ, pela retidão, pela humildade, pela tolerância, pela isenção e imparcialidade  e por tudo, com que sempre pautou a sua vida. Mãe, fica com Deus, e até aproxima se Deus quiser. E... “um beijo no seu coração.” Por aqui, mãe, a VIDA CONTINUA.