UNS COM TANTO, OUTROS COM NADA

Tava, faz dias, querendo redesenhar um texto sobre aquele meu saudoso FUSCA AZUL.  Natural de São Bernardo do Campo, nascido na primavera de 1975, estaria fazendo 24 aninhos. Azul da cor do céu lá em cima e cá embaixo azul da cor do mar. O cara era uma fera e só faltava falar! Ah se o meu fusca falasse!!! Mulhereeengo! Um carnívoro implacááááável. Um carcará irresistível, indomável. E ali, sim,  era “pega, mata e come”. Festeiro, passava a nooooooite no sereno da festa no clube e quando eu menos imaginava ele – O fusca - saía rumo aos abatedouros da vida. Chegava lá, duas cubas libre pra calibrar e haja festa na tribo até o dia raiar. Ah se o meu fusca falasse! Éh! Mas o tema sobre o fusca fica pra depois porque hoje eu estou me lixando - no lixão...

Tenho e sempre tive, particular respeito e atenção pelos “lixões da vida”. Afinal, foi a partir  LIXO,  uma das minhas primeiras aventuras no meu ideal do jornalismo; pegadas  de um jovem rapaz que pratico até os dias de hoje. Certa feita, tempo colegial, ao ver uma cena no serviço da limpeza pública, tomei as dores e escrevi “OS HERÓIS DA LIMPEZA PÚBLICA”,  um tema que causou polêmica e aprovação dentro do antigo JORNAL O IMPARCIAL. E assim onde tem lixo e tem lixão, estou lá, com a minha vocação – de questionador do social.

Mais uma vez estou  cara a cara com o lixão. Vejo que mães e pais de família tiram o sustento dali. Aquilo mexe comigo. E lá está ali a família inteira:  Marido, mulher e dois filhos menores. A mãe, qual uma leoa vai à caça, ela junta à exaustão embalagens de um iogurte vencido que ali foi jogado em quantidade. O marido, qual um leão preguiçoso, fica dizendo para a mulher: “já cheeega”... já cheeega”. Mas ela não se entrega e continua juntando o seu “cremosinho”. Os dois filhos do casal, ali pelo meio, estão  na vadiação. E a mãe a todo instante grita para os dois: “Saiam daí, saiam daí ”, mas eles não atendem.  Vejo a desobediência e interfiro:  Vocês  não estão a tua mandar vocês saírem? E vocês não obedecem? A minha mãe dizia que: “Pinto que não ouve chamado de mãe, gavião come”. Os moleques arregalam os olhos com essa de “gavião come”  e... obedeceram. 

Noutro dia chego ao lixão! O ambiente estava desolador! O serviço de limpeza da Prefeitura havia arrastado tudo! O ambiente era de puro deserto!”  Não tinha um pé de cristão. Não tinha nada!  Mas ali estavam quatro velhos fregueses!  Quatro urubus. Dois deles estavam parados, desolados, tristes,  mudos, frente a frente! Como que diziam: “Hoje a terra parou”! Lá diante um terceiro urubu alçou um  pequeno voo e ficou sobre uma cerca de arame liso ali existente, como quem diz: “Estou ferrado, e mal pago. Pra comer não tem nada”. Foi aí que me lembrei daquela canção “Roça Errada”, que diz: “...uns com tanto / outros com nada”.

Enquanto isso, um quarto urubu, ocupando o tempo,  executava um  espetááááculo que mexeu com a minha cabeça e despertou a minha atenção: Diante de um osso seco ele dava uma bicada e o osso arrastava-se no asfalto. Ele ia lá, dava outra bicada (sem nada pegar) e o osso fazia o caminho de volta. Voltava, dava outra bicada e lá vai o osso...  outra bicada e lá vem osso. E assim a cena repetiu-se por tantas outras vezes. E, no conjunto, uma sinfonia sobre o asfalto pelas  bicadas secas (sem nada pegar) e o osso arrastando-se no asfalto pra lá e pra cá. E eu ali, no outro lado da rua, questionador do social, observando para não incomodar. E qual aqueles dois, frente e frente olhando um para outro eu confirmava: para esses aí... hoje... a terra parou!!!  E me dizia “... uns com tanto, outros com nada”

Música:  ROÇA ERRADA – Antônio Cakrlos e Jocafi