A ESCOLA DO SERTÃO E DA PALMATÓRIA!!!
Tava eu dia desses, no soturno da noite, quando “pintou” um clarão na minha mente. Era eu na minha Escola do Sertão, a escola das minhas primeiras letras, no tempo do “castigo de joelhos” e do bolo de palmatória.
Escola Sertãozinho”, do meu tio Mundico do Sertão – gratidão e homenagem que guardo pelo resto da minhas vida! Era princípio, de noite, aquela noite, quando o meu pai chegou da VILA, trazendo uma carta de ABC e uma Tabuada. Lembra da Carta de ABC e da Tabuada? Era a minha iniciação escolar.
Naquela noite, o meu pai mal apeou do cavalo e ele, que aprendeu até a CARTILHA (lembra da cartilha???), já começou me ensinando sobre as primeiras letras – A, B, C, D. E lá vamos nós, luz fumacenta de lamparina noite a dentro. No dia seguinte, manhã bem cedo, recomeça a maratona. Meu pai, então, com as mãos “cercava” as letras e me perguntava salteado uma por uma, todas elas. Dias depois, quando comecei na escola do Tio Mundico, já conhecia as letras! Era um tempo do “castigo de joelhos” e do bolo de palmatória. Felizmente atravessei esse rio sem maiores dificuldades!!!
Aliás, que, em princípio, foi um cana de braço o meu ingresso naquela escola, isto porque o mestre entendia que eu, aos cinco anos, ainda não tinha suficiente para o o exercício escolar. E a crendice era que “o juízo de menino ainda esta muito mole e isso poderia prejudicar para o resto da vida”. O meu pai, no entanto, não aceitou aquela opinião e, “opinioso” como era, “meteu os pés mãos” e a contragosto do mestre, lá vou eu para a sua escola.
Fiquei por dois anos na Escola da Palmatória e concluí o PRIMEIRO LIVRO, O SEGUNDO LIVRO e O TERCEIRO LIVRO. A Escola tratava da leitura da bíblia; da escrita; de um traslado (tarefa dos mais adiantados) bem como da leitura do paleógrafo. Lembra-se do paleógrafo?! “Um livro do tempo das capitanias”, com letras e leitura “complicada”, de estilo manuscrito. Tinha também as “contas” consistentes em pequenos cálculos (somar, subtrair, multiplicar e dividir), com obrigação da contraprova (prova da conta certa), que na época chamava-se PROVA DOS Nove. Lembra-se da prova dos nove??? Ou tirava a prova dos nove – ou ia para o bolo de palmatória!!!
A grande sala da casa do Mestre era a nossa sala-de-aula. Ao centro tinha ali uma grande mesa – que se chamava BANCA. Sobre a banca uma pedra e uma macerada e temível e terrível palmatória. E ali sim: ”Escreveu não leu, pau comeu”. Chegávamos à escola por volta das sete (ou sete meia da manhã) e saíamos ao meio dia, sempre com os nossos livros, cadernos e lápis, sempre dentro de um pequeno e exclusivo “cofinho” que era a nossa “mochila” daquele tempo. Cofinho a partir de jovens palhas amarelas, de babaçu. De casa, saíamos só com ó café com farinha ou, às vezes, uma “farofa de pimenta no tucupi”. E na Escola, somente água do pote. E a pedra sobre mesa?, Era a senha que o candidato ou candidata ao banheiro, leva-a consigo e só então, deixada sobre a mesa, o próximo poderia ir. E ai de quem desvirtuasse ou tentasse desvirtuar a lei. Ai de quem!
Éramos, na Escola, acho que uns quinze alunos entre jovens rapazes e moças de idades diversas, todos na mesma sala, cada qual na cantoria de sua leitura (fosse livro ou tabuada), todos em voz alta e cada qual por si. Aos sábados tínhamos o ARGUMENTO, o terrível argumento! Os alunos faziam meia-lua em torno do mestre cenho fechado e vozeirão de locutor padrão. E haja perguntas sobre tabuada. E o bolo de palmatória corria solto, pesado e livre. “Meu Deus do Céu! hoje é sábado! É dia de argumento! – suávamos frio, todos nós!
Mais tarde, quando cheguei matuto à VILA, para o Grupo Escolar, com o terceiro livro concluído, dei um baile e fiz a festa! Acredite se quiser!!! E só depois eu compreendi o sacerdócio de TIO MUNDICO – aquele homem que, em parte, deixava as suas roças e suas tarefas de farinhada para “desemburrar filhos dos outros”. E, “pior” ainda – DE GRAÇA!!!
Hoje, em homenagem e gratidão, além dos textos que já os produzi no rádio, no jornal e na televisão, dedico ao Tio Mundico do Sertão, mestre das minhas primeiras letras - a sala de recepção do nosso escritório: SALA MESTRE MUNDICO DO SERTÃO. E vou levantar-lhe em estilo gótico, um arco de concreto (arco gótico) à beira da estrada, no frontal das terras que hoje pertencem aos seus herdeiros, à beira da estradinha carroçável, no lugar SERTÃOZINHHO, que deu nome à Escola. Quem viver verá!
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