POR AÍ... EM PONTO POR PONTO
Ponto nº 1 - Tava eu noite dessas, alta noite no aeroporto local, esperando a patroa que ia chegar. Nem tentei estacionar na suposta área convencional que lá só tem lugar para os aproveitadores de plantão que deixam seus carros, saem de perto e vão para os quintos. E aquilo vira um estacionamento fantasma na grande totalidade do tempo quando até mesmo não há qualquer movimento por ali. É como se fora uma terra de ninguém e sem dono e, ao que tenho notícia, o “órgão encarregado” não tem tido pulso suficiente para equacionar a questão. Resultado: prevalece o estacionamento fantasma enquanto os reais usuários dos serviços do aeroporto ficam à deriva. Acho que é por isso que meu novo herói BOLSONARO vai privatizar essa coisa.
Aliás, que ali à noite, é um perigo à flor da pele. O cidadão que estaciona o seu veículo, distante de pessoas, à meia luz e sem qualquer vigilância, fica à mercê da própria sorte – seja no estacionamento “oficial”, por entre árvores onde atravessam-se veículos de forma irresponsável e desrespeitosa, e em meio alagadiços; seja na área de um estacionamento interditado – este que me causa fundas interrogações. Era justo nessa noite, eu por ali, que imaginei escrever “retratos da vida”, qual uma peça de teatro em que “ Greta Garbo acabou no Irajá”, eis que eu acabei parando ... POR AÍ...
Ponto 2 - Tô ali dentro, no grande átrio do aeroporto, na minha, quando de repente, assim um tanto “estabanada”, senta-se uma gatona razoavelmente bem dividida e totalmente aproveitável, dessa com o vestido solto, meio curto, à minha frente. Senta-se, pernas parcialmente à mostra, vira-se um tanto para o lado para evitar a “brecha” e mantém-se incólume, na dela. Tinha uma cara de pantera, de mulher sexualmente bem definida, ligeiramente arrogante, mas assim um tanto infeliz, de quem escondia uma incógnita no seu olhar. Um rosto que traduzia uma intriga, uma insatisfação, uma espera ou reencontro sem ar de alegria ou de emoção. Uma espera de quem me parecia estar ali por estar, para cumprir uma etapa, um dever, um compromisso, talvez. De quando em vez me olhava à esgueira, fazendo de conta que não me olhava. E eu querendo absorver aquele universo daquela fera mas descartava o olhar de como se estivesse nas estrelas. Nadinha! Estava ligado em tudo aquilo ali, inclusive naquele par de pernas cruzadas, debaixo dos quais uma “plataforma” em sapato alto, nas alturas. Depois, sem quê nem pra quê, tão voluptuosa como ali sentou-se com seu vestido folgado, igualmente levantou-se e foi parar lá... na distância. E eu a fazer um “Raio-X” de intenções imaginárias...
Ponto 3 - Todas as vezes que chego a um lugar assim, logo procuro espairecer: ler uma revista, um livro ou um jornal que levo debaixo do braço. Faço breves manuseios ao celular ou, então, procuro anotar alguma coisa para os meus “scripts”, seja no rádio ou no jornal. Foi assim que me veio, melhor dizendo; “re-veio” a ideia de escrever um tema RETRATOS DA VIDA, que daria título a este texto.
Era uma vez um jovem colegial que namorava uma contemporânea, também jovem colegial. Ele era o rapaz rico, mais amadurecido, originalmente bem sucedido, filho de família abastada. Ela uma moça modesta, da beira da cidade, simples –porém decente. O rapaz postava-se decente, digno, fiel. E a moça idem, idem. Por conta das diferenças sociais (ou econômicas (?) entre o casal, o rapaz era visto como um herói, um ídolo do social, tal o seu comportamento, a sua fidelidade. Enfim, casaram-se no padre e no civil como manda os costume e reza a Santa Madre igreja.
O mundo deu voltas e o casal desapareceu da urbe. E, como acontece nas grandes cidades, até parece que o povo nem se deu conta daquele “desaparecimento”. O mundo continuou na giratória e eis que o casal volta a pontuar na cidade. A esse ponto aquela família abastada, “rica”, desapareceu do sistema; a moça ainda pontua, de passagem, pelo mesmo ponto de outrora. Ela, agora uma profissional liberal, pelo visto bem sucedida, voando nas alturas. E ele? O motorista, o “auxiliar”; o cara que carrega o piano para a sua patroa tocar. Eis a vida; os reveses da vida – o RETRATO DA VIDA.
Ponto 04 - Martinho da Vila diz na canção que “ninguém conhece ninguém”. Já toquei e já refleti muito sobre isso. Tô ali no aeroporto e um cidadão mal-ajambrado dedilha e manuseia o seu notebook. Achei um tanto estranho, mas no aeroporto tudo é normal. Mulheres se mostram, se expõem; a gente vê a esnobação explícita. Aquilo até parece uma passarela da amostra e da (in)felicidade. Tem outros que despencam do armário sem medo de ser feliz – como disse o Gil, em censura, por motivo outro, à sua Preta Gil: “desnecessário”. Tô ali e aquele cidadão manuseia o seu notebook. Meu espírito perscrutador começou logo, de cara, me dizendo que tinha um ponto fora da curva. Aí eu me perguntei: Será mentira ou será verdade? E procurei dissuadir, dissipar e saí dali para conter o pecado, bem longe. E fiquei à distância.
E quando dou por mim, o sujeito em companhia de quem me pareceram mulher e filha estavam ali, cara a cara, ao meu lado, junto de mim. Calados entre si, em tempo inteiro, enquanto a matrona bolinava ao celular e a moça de repente, dormia a sono solto. E não diziam uma só palavra, senão um ou outro monossílabo. Sei não! Aquele sujeito pode ser um santo que caiu do céu por descuido; pode ser o primeiro ou o último do empresariado ou do executivo bem sucedido mas... com aquele notebook (???!!!), pode ser um cara que dê nó em pingo d’água e ainda esconde a ponta. E Martinho da Vila, em todas as direções: “ninguém conhece ninguém...”
Ponto nº 05 - Seu Cornélio chegou em casa e cadê a mulher? Era umas dez da noite, a mulher perdeu o horário mas não perdeu as viagem. Chegou em seguida (com o batom borrado, a roupa amassada e... no ar...um cheiro de quem tomou umas latinhas que disfarçava com um chiclete. - Ôxente mulher! Tu chegando uma hora dessa?! Irresignou-se eu Cornélio. Tavas pra donde? Perguntou ríspido e desconfiado. Tava na casa de uma amiga, meu velho, sabes como é esse negócio de fim de ano... disse a mulher conformando o marido, que logo ficou conformado. Por isso é que Chico Anísio já dizia que “...se explicar tá explicado”. Enquanto Valdik Soriano cantava: “... você é um conformado...”
Ponto nº 06 – Era pouco mais de duas da tarde, ali na João Lisboa perto do ex-Banco da Coroa Real. Ao lado do poste uma lata de lixo. De repente encosta um crioulo, camisa do Flamengo e fustiga e barafusta o lixo doméstico com tanta volúpia, com tanta convicção, com tanto desempenho! E com um ar de satisfação, de realização! Fiquei impressionado com aquela determinação mas saí dali com uma dor na alma e no coração. Não é o que eu digo? O lixo me desperta essas e outras observações , inspirações e transpirações.
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