Senhoras e Senhores... eu conheço um cara que quebrou coco; cercou, plantou e capinou; ele mesmo que passou por casas alheias, morou em repúblicas coletivas, em casas de estudantes, comeu em restaurantes estudantis. Lavou e engomou a própria roupa, ralou a pé, dormiu em colchões pelos quais passaram dezenas, ficava sempre em pé nas festas por onde ia, contraiu venéreas, driblou o bonde, vestiu roupas e calçou chinelos dos colegas. Foi aprendiz de alfaiate, cursou mecânica e desenho técnico. Não sabe apertar um parafuso nem fazer uma linha reta. Não sabe cantar, nem assobiar, nem joga bola. Tirou onda de garanhão, hoje diz que queria ser marceneiro; nas horas vagas tira onda de arquiteto e declara-se "inventor". E, sem um tostão no bolso, almejava trabalhar numa lanchonete para tirar proveito e o bucho da precisão. Sonhou em ser "artista de circo", locutor de rádio, jornalista. Um dia, do nada, deu um grito: "quero ser advogado". Cursou sem livro, formou-se "no grito". Sim, mas e por que começar esse tema com essas declarações que nada têm a ver, nem com o texto, nem com o contexto? Esse cara sou eu!
Conta a história recente que no Rio de Janeiro havia um coletivo restaurante, destinado ao público estudantil, por onde passaram muitos dos graduados em paletós e gravatas de hoje, espalhados pelo Brasil a fora. O CALABOUÇO, como restaurante coletivo era marcado por filas "quilométricas", multidão apinhada, "negrada sofrida". E, nesse meio-mundo de gente em busca de alimentação barata, promovida pelo governo. Não conheci o CALABOUÇO, mas dele tive referências como o foco do estudante e massa carente. E por isso, com ele, as carências que também por certo carregava.
O golpe militar de 1964, procurando "comunistas" a cada metro quadrado, tinha lugar e tinha serviço onde haviam pelo menos duas ou mais pessoas reunidas. E se no meio houvesse movimento e movimentações, intelectos e intelectualidades ainda que em potencial, o golpe militar marcava cerrado, armava a barraca, tinha serviço. O restaurante do CALABOUÇO no Rio de Janeiro com incontáveis estudantes de todas as áreas e idades e níveis colegiais, aquilo - imagino eu, como sem dúvida - era visto pelo regime militar como um criadouro, um ninho, um estopim, onde certamente mourejariam ideias... opiniões... subversivos!
De raciocínio esse, o restaurante CALABOUÇO, já na alvorada do golpe militar, tornou-se palco de incidentes sangrentos: explosão, ferimento e morte, era a ação e o grito da Revolução de 64. E daí em diante uma sequência de fatos que logo fecharam o restaurante; que logo despertavam novas batalhas nos meios estudantis e assim, de batalha em batalha, o CALABOUÇO deixou a marca da luta estudantil, como igualmente registrou a violência e a destruição em seu meio. E o resumo desse enredo é que o CALABOUÇO restou apenas como uma página virada, para todo o sempre...
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No restaurante da Casa do Estudante Secundarista do Maranhão (na UMES), na Rua do Passeio Centro Histórico de São Luís, ali deixei os meus rastos durante quatro anos, quer como morador da Casa do Estudante, quer como "comensal" do restaurante. Ali, geralmente na hora do almoço, em filas esticadas e demoradas, dizia-se que aquilo era um "CALABOUÇO". Por vezes a "xepa" atrasava. Nesse "calabouço", a turma faminta, em filhas apinhadas e esticadas e para quebrar o stress da espera, batucava com garfo e fraca nos pratos e cantarolava as músicas do momento. E volta e meia, por ali, a expressão de que aquilo ali era um CALABOUÇO.
Vem daí a minha primeira noção ignara sobre o "calabouço", herdada do famoso restaurante estudantil do Rio de Janeiro, cuja memória, hoje, se faz apagada, esquecida, destruído ainda no alvorecer das Revolução de 64 e com isso a ideia de comedouro em filas compridas, demoradas, num ambiente com certa balbúrdia, mas infestado e infectado de intelectos e intelectualidades - cabeças pensantes - que incomodava o Regime ao ponto de levá-lo onde o levou.
Foi-se o CABUÇO, foi-se o meu tempo de filas em comedouros públicos; em restaurantes estudantis - secundarista ou universitário; como se foi igualmente o meu tempo de "penetra" do restaurante do SESC (no centro histórico de São Luís), de cujas penetrações, comendo bom e barato na esteira do social, esse mesmo cara que por vezes lavava e engomava as poucas roupas; ele mesmo que namorava em pé, jactanciava-se de suas vantagens. E era visto como "furão". Esse cara sou eu!
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E não é que eu agora tenho um NOVO CALABOUÇO em minha vida?! Pois é! "A vida é um eterno voltar"! Então de quando em vez o CALABOUÇO pinta inteirinho na minha frente, na minha mente. Um novo CALABOUÇO, agora com o nome de TIO SAM RESTAURANTE. O Tio Sam Restaurante fica na Praça de Fátima. É um restaurante com comida de qualidade, em quantidade a preço salutar. Um ambiente super-simpático, agradável, iluminação fosca, quase indireta, tom sobre tom, com o rótulo do saudável e do razoável e do agradável. Gosto de tudo o que sinto, vejo e saboreio no TIO SAM. Uma média de mais de SESSENTA espécies de pratos, ao dia. Gosto do ambiente, da sua disposição, do recinto, do atendimento, da praticidade, do meio e clima que lá existem.
Desperta-me a atenção e uma ponta da boa adrenalina a lembrança que me traz de volta às origens, uma fila sempre existente ao entorno de "dois andares em filas duplas" da multiplicidade de pratos, entre eles as saladas, isso sem contar com a variedade de sobremesa ali do lado. Mas a permanente fila logo se dissipa à nossa frente, enquanto eu... ruminando lembranças do passado, reconstruo no imaginário passagens de uma vida em restaurantes coletivos em tempos colegiais; daquele restaurante que no meu imaginário lembra o "CALABOUÇO". Hoje o RESTAURANTE TIO SAM, um modelo a ser seguido, relembra e supera com graça, satisfação e sentimento de vitória os idos de um tempo. Um tempo de restaurante em fila, multidão, zoeira e batuque. Um tempo em que eu era feliz... e não sabia. Certo ainda de que foram de passagens essas que construí os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
* Viegas é advogado e questiona o social.
Edição Nº 14587
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