Diante da necessidade de recuperar a produtividade dos canaviais, que está decadente há anos, e em razão de problemas técnicos das máquinas, os produtores de cana das regiões mais tradicionais do país estão voltando a recorrer à mão-de-obra para substituir as plantadoras, num movimento que ganhou força há três safras. Segundo levantamento do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresa (Pecege/Esalq/USP), do início da safra atual (2018/19) até 15 de dezembro o plantio mecânico cobriu 52% da área plantada na área tradicional de cana espalhada pelos Estados de São Paulo e Paraná. Na safra passada, o plantio mecanizado representou 56,6% do total.
O pico da mecanização do plantio ocorreu na safra 2015/16, quando o percentual atingiu 77,1%. A reversão da tendência começou no ciclo seguinte (2016/17), quando as usinas acumulavam tantos problemas financeiros que começaram a buscar soluções para reduzir custos. E algumas perceberam que um dos problemas da produtividade estava na forma de realizar o plantio. "Começaram a perceber que estava havendo um consumo muito grande de mudas e falhas no plantio", diz Haroldo Torres, economista do Pecege.
Diferentemente de muitas culturas plantadas com sementes ou mudas, para cultivar a cana basta enterrar um tolete da planta na terra. As plantadoras vinham substituindo o plantio manual até 2015/16, acompanhando a mecanização da colheita, que continua inabalável As colhedoras cortam os toletes, que depois são enterrados pelas plantadoras.
Porém, percebeu-se que as colhedoras estavam "machucando" os toletes depois usados no plantio, dificultando o brotamento e deixando-os suscetíveis ao ataque de microorganismos. Estima-se que sejam gastas 50% mais mudas no plantio mecanizado do que no manual. Apesar de o problema existir faz tempo, não houve inovação nas máquinas, afirma Torres.
"A plantadora consumia muita muda e prejudicava a qualidade do plantio. Tivemos uma queda de produtividade muito grande, que impactava no resultado", afirma Lucas Lopes, gerente agrícola do Grupo Colombo, que possui três usinas no interior paulista.
Há dois anos, a companhia começou a voltar ao plantio manual, apostando na técnica da "meiosi". Por meio desse sistema, planta-se os toletes numa linha (chamada de "linha-mãe") e, após as plantas crescerem, são cortadas manualmente e novos toletes são plantados nas linhas paralelas. No método tradicional, os toletes eram transportados de uma área apenas de mudas até áreas onde seriam cultivadas.
Atualmente, dos 22 mil hectares que o Grupo Colombo planta por safra, 50% já são por "meiosi", 35% da forma manual tradicional e 15% ainda são feitos com máquinas.
A "meiosi" também é uma das técnicas que o Grupo São Martinho, dono de quatro usinas, tem adotado em suas lavouras e que implicou a redução do uso de plantadoras, que até três safras atrás eram a única forma de plantio no grupo. "Esse método economiza com o transporte que se fazia da muda do viveiro até o campo e ainda garante muda de qualidade no local", destaca Mario Gandini, diretor agrícola e de tecnologia.
O processo em curso na companhia é ainda mais complexo. O grupo passou a cultivar mudas pré-brotadas de cana em viveiro - 1 hectare de mudas permite o plantio de linhas-mãe que, somadas, alcançam 40 hectares. Como as plantas dessas linhas-mãe serão "deitadas" nas linhas paralelas ao crescer (cerca de 12 linhas para cada linha-mãe), são alcançados 500 hectares de área plantada com cana a partir de apenas 1 hectare de mudas do viveiro.
Com o plantio mecanizado, 1 hectare de muda rende uma área plantada de cana para a safra de apenas 4 hectares. "Esses 496 hectares de diferença agora são voltados para a cana que depois é cortada e processada", diz Fabio Venturelli, CEO da São Martinho. Hoje, essa associação das técnicas de mudas pré-brotadas com "meiosi" é adotada em 60% da área reservada para plantio nas lavouras das usinas da companhia.
Processo semelhante ocorre na Cocal, dona de duas usinas no interior paulista. Segundo Gilson Christofoleti Junior, diretor agrícola da empresa, a "meiosi", além de ser econômica, garante que as mudas alcancem "idade adequada e maior vigor" e reduz o consumo de diesel no transporte. Como a São Martinho, a Cocal também implantou uma biofábrica de mudas pré-brotadas. No segmento de máquinas agrícolas, a percepção é que a "desmecanização" do plantio é um fenômeno limitado. "No balanço de mudas, de fato o manual é melhor, mas no custo total, com a mão-de-obra, a plantadora ganha. O plantio mecanizado deve prevalecer", afirma Silvio Campos, diretor de marketing de produto da Case IH.
Porém, quem já começou a substituição tem planos de expansão. No Grupo São Martinho, a "meiosi" está mais presente nas usinas São Martinho e Santa Cruz, no interior paulista, e tem espaço para crescer nas usinas Iracema, também em São Paulo, e Bela Vista, em Goiás. No Grupo Colombo, a meta é expandir a "meiosi" dos atuais 50% para 70% da área. "Esse crescimento vai continuar no setor até haver uma ferramenta que dê plantio confiável e com baixo gasto de muda", diz o diretor Lucas Lopes.